sexta-feira, 22 de junho de 2012

Manifesto de um homem só (repostagem)


"Para criar inimigos não é preciso declarar guerra, basta dizer o que pensa" - Martin Luther King


“A ânsia de salvar o mundo é, ordinariamente, um vil disfarce para a ânsia de governá-lo" - Autor desconhecido


“Sou reacionário. Minha reação é contra tudo o que não presta” – Nelson Rodrigues


Saudações a todos! Como já deve ser do conhecimento dos leitores, os alunos da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo se encontram há cerca de 90 dias em greve, paralisando quase que totalmente as atividades acadêmicas, com exceção dos programas de estágio supervisionado dos cursos e das atividades da pós-graduação (que, por várias razões, não podem em absoluto paralisar suas atividades). O motivo alegado para esta paralisação foi a falta de infra-estrutura adequada para o funcionamento do campus, sobretudo no que concerne a falta de salas de aula para abrigar os estudantes (alguns cursos tiveram que ser alocados em um centro educacional da prefeitura vizinho ao campus, enquanto o novo prédio que deveria abrigar novas salas de aula está com sua construção paralisada há mais de um ano), as péssimas condições físicas e sanitárias do galpão que hoje abriga o restaurante universitário, a falta de espaço da biblioteca para acondicionar os livros que recebe tanto de compra como de doação (existem cerca de 40 mil livros mal acondicionados em caixas, indisponíveis para consulta por falta de espaço na biblioteca), as deficiências na provisão de linhas de ônibus que atendam a região do campus, uma vez que a maior parte dos alunos não vive na cidade de Guarulhos (e por esse mesmo motivo, se reivindica também a construção de moradias estudantis para atender os estudantes de baixa renda que vivam fora de Guarulhos, mais notadamente os que vieram do interior e até de outros estados), bem como a retirada de processos administrativos e judiciais que estão correndo contra alguns estudantes que participaram de uma ocupação da reitoria no ano de 2008 e que também correm por conta de alguns acontecimentos desta greve.


Pois bem, em que pese a urgência desta pauta e o seu peso para que a EFLCH possa cumprir a contento as suas atividades-fim (e nestes dias temos visto um cenário de greves em quase todas as federais - de alunos, professores e funcionários; muito embora as reivindicações dos três setores sejam diferentes, elas de certa forma são complementares por retratarem a precariedade da expansão do ensino público superior federal levada a cabo desde o governo Lula), o que tem acontecido nestes 90 dias mostra que não avançamos um centímetro sequer na garantia (pelo menos) da solução de nossos problemas. Muito pelo contrário, o que se criou foi um clima de extrema animosidade (no qual ocorreram agressões verbais e físicas) entre os alunos, entre estes e os professores, entre os alunos e a direção do campus e entre os alunos e a reitoria da universidade, o que travou completamente quaisquer possibilidades de mediação entre os sujeitos envolvidos na situação.


Desde o princípio da greve dos alunos, um pequeno grupo destes (auto-intitulado e conhecido como "comando de greve") tomou a testa do movimento, e não só relegou a pauta de reivindicações a um segundo plano como conseguiu instalar no campus um verdadeiro estado de sítio, com ares de Revolução Cultural chinesa (se você não sabe o que foi tal revolução, aqui está um link: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Cultural), afastando do movimento quem não concordasse com sua linha de pensamento (o que certamente afastou e/ou impediu muitas contribuições positivas a ele), buscando apoio e legitimidade para o movimento em meios externos ao invés de fortalecer a base e usando de todos os meios para desqualificar posicionamentos contrários ou tomar o movimento para os partidos e/ou movimentos políticos de que fazem parte, e com os dois lados lançando mão de ofensas físicas e verbais (algumas das quais racistas, xenofóbicas e homofóbicas inclusive).


E o campus foi ocupado por este movimento duas vezes: na primeira, a ocupação durou seis dias e terminou sob a ameaça de uma reintegração de posse, e na segunda vez, depois de o campus ser inteiramente ocupado e aberto com atividades para a comunidade (e de a justiça ter inicialmente negado uma nova reintegração de posse, sob a alegação de que a universidade nada fez para sanar seus conflitos), houve uma nova reintegração de posse com a entrada do Choque e de agentes da Polícia Federal no campus.


No dia 14 último, depois de terminada uma assembléia entre alunos de toda a universidade (que por ser realizada a tarde, contou com uma fraca participação de alunos; eu estive ali e fiz um pronunciamento), a polícia foi chamada com o pretexto de conter uma manifestação violenta dentro do campus e levaram presos para a sede da Polícia Federal em São Paulo 26 estudantes que estavam ali naquele momento, e que ali ficaram detidos até a madrugada do dia 15 para o dia 16 deste mês, sendo libertados graças ao esforço de alguns advogados de partidos políticos e de movimentos sociais; entretanto, todos responderão a processos judiciais e administrativos da universidade. Como eu creio que os leitores já devem saber pelo dito popular, escola e cadeia são as moradas da verdade, e é difícil para quem não estava lá no momento precisar exatamente o que aconteceu; os alunos dizem que a confusão realmente começou após um policial ter abordado uma menina de maneira violenta , e os professores (os que estavam na diretoria acadêmica do campus na ocasião) dizem que os alunos estavam acuando os professores dentro do citado recinto, inclusive com depredação do campus. O certo é que os ânimos estão extremamente exaltados, o campus se encontra de portas fechadas e, no presente momento, as possibilidades de negociação entre as partes envolvidas infelizmente são quase nulas...


Pois bem, a pauta de reivindicações pela qual se entrou e pela qual, em teoria, permanecemos até o presente momento em greve - que eu expus acima em seus pontos mais importantes, eu creio!- como os leitores podem notar, não contém nenhuma exigência absurda, apenas o mínimo do mínimo para que o campus possa cumprir com suas funções a contento... Isto posto, perguntamos o que nos tem incomodado tanto nestes últimos dias, bem como pudermos ter perdido tanto tempo (em 90 dias dá para se fazer muita coisa!) em picuinhas menores...


O ponto que mais me incomoda nisso tudo é o clima de estado de exceção (que eu já expus acima) que se instaurou entre os sujeitos envolvidos nesta confusão. A intransigência de todas as partes (eu acho - minto, eu tenho certeza - que foi infinitamente maior por parte do chamado "comando de greve", mas mostrou sua cara em todos os lados) fez com que a esmagadora maioria dos alunos se abstivesse de maneira passiva de todos os acontecimentos relativos a esta greve (afinal, há pessoas contrárias a greve, e isto não é nenhum crime de lesa-pátria, meus senhores; são, como nós, cidadãos ativos e maiores de idade e que como tal têm o inalienável direito de considerar o que é ou não bom para as suas pessoas), justamente por não se sentirem representados pelo sobredito comando; no nosso entender, isso foi o maior entrave a uma possível vitória de nossa greve...


Pois reflitam comigo, meus caros: para todos nós não foi fácil ingressar na universidade; tivemos que passar por um processo seletivo dificílimo e altamente excludente, para o qual nos preparamos por alguns meses, consumindo tempo, dinheiro e, sobretudo, horas de lazer e convívio social que jamais obteremos de volta; é igualmente difícil para todos se manterem na universidade, uma vez que o campus que frequentamos está localizado em um bairro periférico de difícil acesso com inúmeras deficiências em sua infraestrutura básica; o gasto de dinheiro, apesar de a universidade ser pública, é bastante grande - transporte, alimentação, gastos com idas a eventos, com livros e, sobretudo, com xerocópias de trechos destes mesmos livros - e as exigências de desempenho acadêmico de todos os cursos tem o mesmo grau de dificuldade e de aspereza para todos os alunos; ao contrário do que muitos pensam, não é, nunca foi e nunca será fácil para ninguém estudar em uma universidade pública (que como todos podem notar - e os últimos acontecimentos não nos deixam mentir - está a anos-luz, talvez a séculos-luz, longe de ser o paraíso que o governo, nossos pais e principalmente os professores de cursinho nos prometeram)...


Portanto, não há o menor cabimento que os alunos sejam considerados como mais ou menos dignos de frequentar os bancos universitários apenas por suas posições pessoais sobre os últimos acontecimentos (e é, infelizmente, o que tem acontecido), ou que sejam por isso tachados de vagabundos, maconheiros, bandidos, vândalos reacionários, fascistas, burocratas escolásticos acadêmicos prático-utilitários (???), machistas, ou qualquer epíteto que mentes fechadas que só sabem pensar em 0 e 1 (que, como qualquer pessoa sensata já deve ter notado, estão sempre acompanhadas de uma boca aberta e de uma língua ferina que não cabe dentro dessa boca) possuam a originalidade suficiente para inventar; há, é claro, alunos interessados e desinteressados, esforçados e relapsos, mas TODOS são alunos, com os mesmos direitos e deveres, e sem distinção de espécie alguma, fui bem claro???


Outra coisa que me incomoda bastante nisso tudo é, só pelo fato de sermos estudantes de humanas, esta e outras lutas serem postas para nós como uma obrigação moral, como o "fardo do homem branco", como se nada mais tivéssemos a fazer neste mundo além de lutar pelas mais diversas causas sociais. Porra, entendam o seguinte: se vamos lutar por algo, é ou para nos livrar do fardo que nos oprime ou pelo menos para torná-lo mais suportável de ser carregado, e não para que a nossa luta seja mais um fardo a suportar! Não será precisamente por causa disso que tem sido cada vez mais difícil agregar pessoas para apoiar causas urgentes e necessárias??? Não será por causa de tal visão que os mais diversos movimentos sociais e partidos de esquerda têm sido desqualificados em suas causas e ações e até vistos como criminosos??? Por causa desse fastidioso dever que faz parecer que nós não temos emprego, família a sustentar (e muitas vezes, filhos para criar), amigos, vida social, que temos que ficar sem comer, sem dormir, sem tomar banho, sem transar, tudo para dedicarmos o máximo de tempo a causa??? Reflitam nisto, meus senhores...


Eu gostaria ainda de tratar de muitos outros aspectos que considero importantes (como a entrada de forcas policiais em nosso campus, triste retrato do despreparo dessas mesmas forças e da impropriedade de sua presença ostensiva dentro de um espaço escolar), mas acredito que o que escrevi até agora já resumiu tudo o que eu tinha vontade de dizer sobre este assunto, e que não achava tempo nem espaço para dizer... Não tenho a pretensão de tomar a cabeça do movimento grevista ou de ser o mais novo "salvador da roça"... E para terminar, eu vou botar aqui um poema de Agostinho Neto, que além de poeta pegou em armas pela independência de Angola, e foi o primeiro presidente deste país... E que, além de dizer muito sobre o momento que vivemos na universidade, é um eloquente convite a reflexão de nossos rumos...


"Do povo buscamos a força"

Não basta que seja pura e justa a nossa causa
É necessário que a pureza e a justiça
existam dentro de nós

Dos que vieram
e conosco se aliaram
muitos traziam sombras no olhar
intenções estranhas

Para alguns deles a razão da luta
era só ódio:
um ódio antigo
centrado e surdo
como uma lança

Para alguns outros era uma bolsa
bolsa vazia (queriam enchê-la)
queriam enchê-la com coisas sujas
inconfessáveis

Outros viemos
Lutar para nós é ver aquilo
que o Povo quer
realizado
É ter a terra onde nascemos
É sermos livres para trabalhar
É ter para nós o que criamos
Lutar para nós é um destino -
é uma ponte entre a descrença
e a certeza de um mundo novo

Na mesma barca nos encontramos
Todos concordam - vamos lutar

Lutar para que?
Para dar vazão ao ódio antigo?
ou para ganharmos a liberdade
e ter para nós o que criamos?

Na mesma barca nos encontramos
Quem há de ser o timoneiro?
Ah as tramas que eles teceram!
Ah as lutas que aí travamos!

Mantivemo-nos firmes: no povo
buscáramos a força
e a razão

Inexoravelmente
como uma onda que ninguém trava
vencemos
O Povo tomou a direção da barca

Mas a lição lá está, foi aprendida:
Não basta que seja pura e justa
a nossa causa
É necessário que a pureza e a justiça
existam dentro de nós.

2 comentários:

  1. Concordo em grande parte com o que escreveu. Fez uma fiel exposição dos fatos. Boa sorte e juízo a todos nós!!!

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  2. Olá, Adriano

    Faço das suas palavras as minhas! Já faz um tempo que eu me abstive totalmente das decisões ou indecisões da greve. Pensei que como somos de humanas saberíamos dialogar de forma concreta e efetiva, mas pelo visto nos falta um tanto de objetividade das exatas. O poema que você expôs acima descreve exatamente o que eu sinto quando vou (ia) a alguma assembleia ou em algum debate (vazio) no campus. Em pensar que essa greve perdura por conta de como o ser humano sabe ser intransigente de uns e descaso de outros... Um abraço!

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